Friday, February 26, 2010

Ilha Jazz- Exposição de Pintura de Tchalê Figueira- abertura 4 Março: 19h


Tchalê Figueira é uma criança gigante que pinta “bitchins” e “gongons”. Alguém que colore um livro de histórias sem figuras nem contornos. Labirintos que só perceberemos quando chegamos à idade do entendimento. Tchalê é a criança “terrible” que dialoga com cada personagem da Rua de Praia, que conhece cada criatura do seu Mindelo, que fantasia com todo o feminino do universo. Menino traquinas capaz de pronunciar todas as palavras, de eliminar a ideia do proibido, trazer toda a intimidade da porno-grafia quotidiana e normaliza-la. Mestre de monstros velhíssimos, perversíssimos. Indomáveis. Ele próprio assim.

Em tempos pintou com todas as cores, baralhando os sentidos de quem quer ler. Desestabilizando o concreto e a normalidade de quem apenas aspira a uma arte sem rebelião. Tchalê é o contrário da norma, na linha narrativa da sua geração de artistas em Cabo Verde. Construiu uma grafia e um vocabulário único. Deu ao cabo-verdiano um novo rosto, um corpo em constante mutação. Somos todos “bitchins” e “gongons”, somos todos coloridos e secretos, temos todos a nossa nudez. Em algum momento. A todo o momento. De corpo e de alma. E cheiramos a corpo e a suor. Às vezes fantasiamo-nos e brincamos a todos os carnavais fora de época. Quando amamos, vivemos ou simplesmente andamos pelo universo fora. Num exercício de extrema condensação, de concisa minúcia tem experimentado composições sobre o negro, breves matizes de cor num cosmos sintetizado pelo traço, pela essência da composição como regra da arte, de consciência e da vida.

Para esta exposição Tchalê regressa às cores, em desafio às “Flores do mal” de Baudelaire. Pretexto, por outro lado, para compreender que o imaginário de Tchalê Figueira não cabe apenas na Rua da Praia, na “Morada”, no Mindelo, no arco, na ilha, nas ilhas, no Atlântico. Tchalê é herdeiro de uma tradição universal que vai não só dos pais espirituais da beat generation, por isso de Jack Kerouac, Henry Miller, Norman Mailer, William S. Burroughs, Kenneth Rexroth e da beatnik poetry (Allen Ginsberg, Gregory Corso, Lawrence Ferlinghetti, Gary Snyder), mas também de Charles Bukowski, Fiódor Dostoiévski, Juan Rulfo, Carlos Fuentes, Júlio Cortazar, Borges, Pessoa, Rainer Maria Rilke, Arménio Vieira e toda a poesia surrealista francesa.

A aparente simplicidade das obras de Tchalê Figueira é a mais apurada denúncia da complexa panóplia de linguagens e influências que compõem o percurso deste que é provavelmente o mais consagrado artista plástico cabo-verdiano da actualidade.

Monday, February 1, 2010

Exposição de pintura de: Abraão Vicente, quinta feira, 4, 19h


                                           
                           

          “A idade de Bruegel ou a queda dos anjos rebeldes”

“A idade de Bruegel ou a queda dos anjos rebeldes” mais não é que um exercício de leitura de algumas obras de Pieter Bruegel, pintor flamengo que viveu entre 1525 e 1569. Bruegel viveu uma época conturbada, banhada de crueldade e extremas diferenças sociais e de classes. Tempo em que o império de Filipe II de Espanha entendia-se até as províncias dos Paises Baixos, territórios profícuos em protestantes. Assim, é pelas mãos do Duque de Alba que o reino de Espanha empreenderá uma intensa campanha cuja atrocidade fica demasiado evidente na afirmação do católico Rei Filipe II “ Prefiro sacrificar 100 000 vidas humanas a pôr fim à perseguição de hereges”.

Se por um lado Bruegel pode ser equiparado a um fotógrafo na linha de frente das guerras de hoje, por outro, ele é também o pintor das parábolas, dos provérbios e dos enigmas. Bruegel usa a linguagem da representação para ilustrar não só os costumes, tradições, hábitos do quotidiano e indumentária da época, mas também para decifrar os códigos que regiam as relações sociais de hierarquia e os jogos de poder em disputa. As obras de Bruegel remetem-nos para uma época em que o estado civilizacional da hoje conhecida como cultura ocidental, passava inevitavelmente por um período de barbárie.

As obras apresentadas por Abraão Vicente nesta colecção de oito quadros, sob o título de: “A idade de Bruegel ou a queda dos anjos rebeldes”, são justaposições, novas composições, rearranjos de temas, figuras e imagens pertencentes não só a obras bem especificas de pintor flamengo, mas também ao imaginário da época. Ao extremo exercício de composição, tradução, volume, contemporização de Bruegel, Abraão Vicente contrapõe traços livres e rápidos, figuras propositadamente descontextualizadas e um guião que bem poderia ser a de hoje, nas ilhas. Das ilhas. Sendo por isso “A Idade de Bruegel” um tempo simultaneamente longínquo e recente. Diria, que se repete no hoje. Algures.

Venham pois degustar o tempo…. e livros.

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